Será que sabemos viver isolados (ou em sociedade)?
Será que sabemos viver isolados é um texto publicado originalmente na revista Kobá, lançada no dia 31 de julho de 2020. Clique AQUI e leia a resita na íntegra, com este e outros textos.
Será que sabemos viver isolados (ou em sociedade)?
Será possível afirmar que somos falhos no convívio social? A resposta é sim. E não é preciso muita elaboração para perceber que a moderna vida em sociedade na qual todos estamos inseridos é falha, injusta e caótica.
Trânsito, transporte coletivo, sujeira nas ruas, depredação do patrimônio público são apenas alguns exemplos externos do quanto estamos longe de um convívio sadio. Mas e a vida isolada, distanciada? Também não sabemos viver sozinhos?
Infelizmente a resposta imediata é não. A pandemia causada pelo coronavírus em 2020 desnudou uma face da realidade que sempre esteve oculta, ao menos nos últimos 100 anos: temos muita dificuldade de lidar consigo mesmo e com os que dividem o mesmo teto.
E, vejam, aqui poderíamos citar alguns dados já revelados pela imprensa nos últimos meses como o aumento do número de pedidos de divórcios e até o crescimento de casos de violência doméstica, sobretudo contra as mulheres. Mas como o UMBANDA EU CURTO é uma plataforma voltada para a divulgação da Umbanda, queremos aqui destacar aspectos um pouco mais abaixo da superfície.
Sem entrar em searas próprias da Psicologia ou da Psiquiatria, nos cabe analisar o que os umbandistas podem adotar como comportamentos desejáveis frente a este duro período em que a casa deixa de ser a contraposição à rua para se tornar o todo. Do dia para a noite, espaços de sociabilidade externos deixaram de existir. O mundo lá fora virou o mundo aqui dentro e nem mesmo os meios de comunicação estão sendo capazes de suprir esta ausência.
Negação, descrença, ansiedade, depressão e impaciência são alguns dos efeitos mais visíveis e atingem, num ou noutro momento, a imensa maioria da população hoje distanciada e restrita ao lar. A utopia urbana do “trabalhar em casa” virou realidade para milhões e logo perdeu seu encanto. Manejar filhos, maridos, esposas e afazeres domésticos não são tão cruéis quanto o enfrentamento de si mesmo. É preciso força, tutano, fibra mesmo, como diziam os mais velhos.
Por sinal, os mais velhos podem ter muito a nos ensinar. E não precisam ser pessoas centenárias, que tenham enfrentado a gripe espanhola ou pandemias parecidas no passado. É do conhecimento dos mais velhos que queremos falar aqui.
Na Umbanda, a Orixá Nanã é uma das mais lembradas quando o assunto é experiência ou vivência. Como dissemos em nosso e-book “Características dos Filhos e Filhas de Nanã”, que faz parte de uma série com 14 livros digitais sobre 14 Orixás, lançado em 2018, “seu campo preferencial de atuação é o emocional dos seres desequilibrados que, ao receberem suas irradiações, se aquietam; e podem ter suas evoluções paralisadas, se necessário, até passarem por uma decantação completa de seus vícios e desequilíbrios mentais”.
Perfeito. Então basta aos umbandistas firmarem uma vela acesa a Nanã e pronto, seus problemas acabaram. Seria bom se fosse assim. Costumamos dizer internamente que a Umbanda não é uma religião simples. Noutras, basta seguir um determinado livro sagrado, assistir uma missa ou culto semanal, ser uma boa pessoa e pronto. Você com certeza já será um bom fiel agindo dessa forma.
Na Umbanda é desejável estudar, conhecer os Guias de Trabalho e os Orixás. Também é importante conhecer os fundamentos da religião, as práticas, rituais e toda a magística envolvida. E tudo isso leva tempo, esforço e dedicação a leituras, cursos e vivências, sendo que muitas dessas se dão diretamente nos Terreiros, nas consultas com os médiuns incorporados durante as Giras públicas.
Tal qual o mundo todo, a Umbanda se viu forçada a fechar as portas de seus Terreiros físicos, deixando seus fiéis e seguidores à sua sorte em casa. Fechados. Cursos, lives e atividades online estão sendo oferecidas aos montes para minimizar o impacto de quem já havia se acostumado às conversas com os Guias nos Terreiros. Nós mesmos, do UMBANDA EU CURTO, criamos um e-book específico para isso. “Como praticar a Umbanda em sua casa” é simples, acolhedor e fácil de seguir. E o nome é autoexplicativo. Criamos também um programa semanal que simula uma gira de Terreiro online, o HOJE TEM GIRA, sempre em nosso canal oficial no YouTube.
Mas, como dissemos, o distanciamento é cruel. Mesmo com tudo isso algo ainda está faltando. Não poder ir lá fora em razão de um vírus invisível a olho nu tem causado efeitos inimagináveis em níveis psíquicos que nunca tivemos que enfrentar. Mas a própria Umbanda oferece respostas que podem ajudar a lidar com tudo isso. Vamos voltar a Nanã.
Nanã também nos ensina o que é maleabilidade. Quando estacionamos num padrão vibratório negativo (pensamentos, sentimentos, crenças e emoções), insistindo em condutas igualmente negativas, é como se virássemos pedra. Ficamos impermeáveis às sugestões do Bem. Assim, firmar uma vela acesa ou até mesmo uma oferenda a Nanã pode nos ajudar a sermos atraídos para seu campo de atuação, que gradativamente nos ajudará a readquirir maleabilidade. O “pensar fora da caixa” com certeza pode ser ajudado pelas forças de Nanã.
E suas ações não param por aí. Nanã também promove nos seres um processo de decantação, depurando vícios, desequilíbrios e negativismos, fazendo uma espécie de filtragem dessas energias desequilibradas. Também atua “amolecendo” e dissolvendo os medos ou bloqueios inexplicáveis, de fundo inconsciente, e as memórias traumáticas. Por fim, sua atuação termina quando adquirimos estabilidade ao fim deste processo, para que possamos então retomar nossa evolução natural de forma equilibrada. Mas aí já entramos na seara de Obaluayê, assunto para um próximo texto.
Por último, vale destacar um dado da realidade: os últimos meses revelaram um aumento substancial no consumo de bens e serviços ligados à religiosidade. Enquanto a ciência não dá conta da realidade, as religiões se tornam as armas mais eficazes na busca da normalidade. E, quem sabe, quando tudo isso passar, possamos todos ser mais tolerantes em todos os níveis. Afinal, é como o físico Marcelo Gleiser afirmou em matéria que republicamos em nosso portal, ainda em 2019: “Ciência e religião não são inimigas”. Que assim seja.