Preto Velho na Umbanda: já tentou explicar para alguém de fora?
Preto Velho na Umbanda compõe uma falange de espíritos atrasados? Dia desses ouvimos uma história que de tão simples nos fez pensar.
Um funcionário de uma grande empresa, em cumprimento a uma campanha de valorização do meio ambiente iniciada em seu escritório, resolveu levar de casa uma caneca de louça, evitando assim o desperdício de centenas de copinhos plásticos por ano. Muitos de seus colegas fizeram o mesmo.
Como seu ambiente de trabalho sempre foi bom e amigável, pensou em levar uma caneca diferente. Escolheu uma caneca de oncinha!
Assim, no impacto do primeiro momento, seria alvo de algumas brincadeiras, mas em sua cabeça isso logo acabaria pois todos foram sempre amigáveis e bem humorados.
E lá foi ele com sua caneca. Dito e feito: muitas piadinhas e brincadeiras.
No início, tudo normal. Então, os dias foram passando e as brincadeiras não cessavam. Alguns, de forma surpreendente, chegavam até a ser agressivos no tom das gozações.
O dono da caneca de oncinha, percebendo que não teria paz enquanto a usasse, levou-a embora para casa. Quando perguntado, disse que ela havia caído e quebrado. Vieram mais algumas gozações e logo o assunto morreu.
Lembramos desta história recentemente por alguns motivos.
Um deles é que temos entre nossos colaboradores a Veridiana Mataji, que relaciona Xamanismo e Umbanda de uma forma muito legal.
Em seus textos ela trata, por exemplo, do tema ‘animal de poder’. Leão, tigre, urso, onça. Será que o uso de peles de felinos em sociedades antigas e tribais era apenas moda ou havia significado?
Quem inventou o uso de ‘animal prints’ ou estampas de bichos foi o mundo da moda ocidental, dando a ele um novo significado.
Hoje, usar uma roupa ou qualquer objeto de oncinha, como no exemplo acima, pode ser algo elegante para as mulheres. Já para os homens, ‘sei não hein, esse cara aí tá dando bandeira…’, diriam os ‘brincalhões’ do escritório.
A caneca de oncinha é apenas um exemplo de que vivemos numa sociedade que julga conforme suas crenças gerais estabelecidas, seus significados enraizados, dando a eles a marca de certo ou errado.
Assim, tudo que fugir da ‘normalidade’ é errado.
Avançando um pouco mais, isso nos faz pensar no arquétipo de Preto Velho na Umbanda. Já tentou explicar a figura do Preto Velho na Umbanda para alguém de fora da religião?
A última que ouvimos foi: “Ah, mas vocês ainda cultuam muitos espiritos atrasados…”
É um exemplo da força das crenças gerais, do significado impositivo da maioria sobre algo que requer prática, interesse e sobretudo respeito.
A prática da Umbanda, seja como médium incorporante ou como consulente, nos ensina a persistir no caminho do Bem, a se interessar por seu grande caldeirão cultural e a respeitar suas manifestações, teologia e ritualística.
Afinal, se grande parte dos ‘espiritos atrasados’ que hoje se manifestam como Preto Velho na Umbanda já foram encarnados, foram escravos, sofreram humilhações, perdas, trabalharam no limite de suas forças físicas, porque voltariam a essa Terra que tão mal os tratou? Só podem ser espiritos atrasados mesmo, não é?
A resposta correta talvez seja: por amor.
É o amor por Deus e por seus semelhantes o responsável pela manifestação da Umbanda desde o princípio. E é o amor o antídoto para todo e qualquer mal que possa existir.
O guitarrista e ícone pop Jimi Hendrix certa vez disse: “O mundo só vai mudar quando as pessoas deixarem de ter tanto amor pelo poder e começarem a dar poder para o amor”.
O músico estava certo. Que tal começarmos respeitando as escolhas de cada um? De uma simples caneca a uma religião, todos são livres para escolher. Preto Velho na Umbanda é um espírito atrasado?
Atrasados são aqueles que ainda não conseguem enxergar isso.