Zé Pelintra e a malandragem que ensina
Zé Pelintra e a malandragem são inseparáveis. Tanto que há uma Linha de Umbanda chamada Linha dos Malandros, como muitos já sabem. Mas este termo “malandro” é carregado de conotação pejorativa.
No dicionário, por exemplo, malandro é “aquele que vive em busca de prazeres e diversões; quem gosta de viver de modo boêmio, sem trabalhar, na malandragem” ou ainda “pessoa que se utiliza da esperteza para sobreviver, geralmente abusando da confiança de outras; vadio”.
Prazeres, diversões e vagabundagem. E ainda assim tem uma Linha de Umbanda com eles? Como dar crédito a uma religião assim? Como explicar isso para quem é de fora da religião? Calma, vamos explicar.
Zé Pelintra é uma entidade (Guia de Umbanda) que chama a atenção por vários aspectos, entre eles a sua postura. Com bom humor e elegância costuma se mostrar curioso e muito atencioso com os consulentes. E olha que apenas isso já é uma grande vantagem, visto que cada vez mais assistimos as pessoas não conseguirem mais dar atenção ao outro, dedicando-se apenas a pensarem em si mesmos. Então, ter interesse por nós e saber ouvir com atenção já é ótimo!
Mas se o dicionário diz que malandro busca prazer e diversão e não gosta de trabalhar, o que uma entidade assim pode fazer por mim? Como ela pode me ajudar?
Bom, o prazer e a diversão todos nós desejamos, não é mesmo? O mundo, da maneira como é, nos impõe um sistema baseado em estudo/trabalho/família. E pra cumprir tudo isso direitinho é preciso muito suor para, quem sabe, sobrar um tempinho para curtir um pouco a vida nas horas de folga.
Zé Pelintra e a malandragem então surgem como símbolos, um verdadeiro arquétipo espiritual que representa a liberdade de ser quem realmente somos. Não que não tenham sofrido com a desconfiança de muita gente – isso acontece e muito. No entanto, a mensagem da busca de uma vida mais alegre, livre e com foco no que nos faz bem é o ensinamento principal aqui.
E a vagabundagem? Bem, é verdade que Zé Pelintra passa longe de pegar um batente da 8 às 6, mas isso não significa que ele viva de enganar os outros para seu próprio sustento. Desafiar o sistema, buscar uma vida além do status quo cobra seu preço que Zé Pelintra sempre esteve disposto a pagar.
Formou-se na “arte da vida”, aperfeiçoando-se nos jogos de salão, dados, cartas e apostas. Desenvolveu um senso de observação ímpar, enxergando oportunidades onde a maioria não vê, reflexo da sua constante luta pela sobrevivência.
Para Zé Pelintra não há zona de conforto. O mundo desafia suas habilidades a cada novo dia. E como diz o ditado popular “o que não mata, engorda”, ou melhor, fortalece.
Alguns poderão imaginar que Zé Pelintra e sua Linha (Zé do Coco, Zé Pretinho, Zé Malandro, Camisa Listrada, entre outros) é o representante ideal do jeitinho brasileiro, essa característica cultural do brasileiro de insistir em se dar bem em tudo, não importando o que aconteça aos outros. Mas não é essa a mensagem que Zé Pelintra nos traz.
Malandro na Umbanda vem para nos mostrar que há escolhas na vida. Há beleza em tudo que nos cerca. Há motivos para sorrir, mesmo nos momentos mais difíceis. Malandragem na Umbanda é compreender que a vida custa e cobra seu preço todos os dias. É reconhecer que existirão dias bons, dias ruins e dias razoáveis, mas que a vida em si mesma é a nossa maior dádiva.
Malandro na Umbanda nos ensina aquela máxima: “sorria que depois a gente acha o motivo”. Mas não é ingênuo e nem quer que sejamos assim. Todos teremos dificuldades e obstáculos em nossas jornadas, mas é a maneira como lidamos com eles que dirá ao mundo (e a nós mesmos) o que realmente somos.
No atendimento nos Terreiros os Malandros são finos e elegantes. Cuidam da aparência, geralmente usam chapéu e costumam não dispensar um cigarro ou charuto e também um boa cerveja clara. Gostam de conversar, sabem ouvir e aconselham sempre com um sorriso cativante. Desmagnetizam energias ruins e desfazem trabalhos e demandas que possamos estar carregando.
Zé Pelintra e a malandragem nos lembram a todo momento que os obstáculos ensinam, pois se a vida fosse cor-de-rosa não teríamos a chance de nos tornarmos fortes, cascudos, prontos para a próxima.
Zé Pelintra e a malandragem: receita para viver
Receita não há, mas viver bem é algo que eles podem nos ensinar. A primeira de todas as lições é a fé. Deus (Olorum) acima de todos. Os Orixás e toda a espiritualidade existem para nos lembrar que somos mais que seres encarnados. Temos alma que nos anima e impulsiona para seguir em frente. Temos consciência, inteligência e força para transformar a nós mesmos e ao mundo que nos cerca.
Zé Pelintra e a malandragem nos ensinam que a vida gosta de quem sabe jogar com ela. Aceite os desafios, não reclame. Reclamar nos faz perder um tempo precioso em busca da superação. Aceite o que a vida traz e siga em frente rumo aos seus objetivos. Se cair não lamente: levante logo e siga em frente.
Zé Pelintra e a malandragem também nos ensinam a ligar as “antenas” da intuição. Porque os malandros do dicionário existem aos montes e estarão sempre por aí buscando uma forma de enganar, lesar e se dar bem em cima de gente honesta e batalhadora. Abra os olhos e fique alerta. Na dúvida, chame a Linha dos Malandros, acenda uma vela (não importa a cor) e peça clareza.
Zé Pelintra e a malandragem, enfim, nos ensinam que é preciso aprender sempre. Aprender com a vida e evitar a todo custo ser pego desprevinido (a). Caiu? Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima, como diz a música. Malandro bom é malandro que fica de pé, não importa o peso que a vida lhe imponha.
Criatividade, proatividade, preparação, estudo, coragem e até paciência. Malandragem é saber que Deus não fez o mundo em um dia e que você também não precisa resolver tudo de uma vez só.
Role os dados, jogue a próxima carta, curta sua bebida preferida com a família e os amigos. Aprenda com os outros, aprenda com os erros. Troque o jeitinho brasileiro por um jeitinho malandro de ser, aquele em que você sabe quando fazer e sabe quando deve esperar. E sempre com muito respeito a quem com respeito te tratar.
E você? O que pensa sobre Zé Pelintra e a malandragem? Conte para nós!