Vovó Maria e a lição do terço
Vovó Maria é uma Preta Velha que trabalhava com um certo médium iniciante em um certo Terreiro, digamos assim.
Certa vez, antes de desincorporar, Vovó Maria, sabendo que o seu médium era novo na corrente mediúnica, deixou um recado com o cambone de que ela iria precisar de um terço feito de lágrimas de Nossa Senhora para a próxima Gira de Pretos Velhos. Um terço simples que seria um instrumento de trabalho.
Só para esclarecer, a Lágrima de Nossa Senhora ou Lágrima de Jó é famosa pelo uso de suas sementes na confecção de rosários e guias de santo usados em rituais religiosos.
Então, ao final da Gira o cambone deixou o recado com o médium exatamente como Vovó Maria havia dito. E ainda frisou que deveria ser algo muito simples e que deveria ser feito pelo médium.
O tempo passou e novamente chegou o dia da Gira de Pretos Velhos. Vovó Maria chega em terra e olha para o terço que o seu médium trouxe, totalmente diferente do que ela tinha solicitado.
Cego pela vaidade, o médium comprou um terço banhado a ouro, pois ele havia pensado que um terço de lágrimas de Nossa Senhora era algo muito simplório e, assim, nem se deu o trabalho de fazê-lo. Ignorou totalmente o pedido de Vovó Maria.
Começa a Gira e o cambone pega o terço, entrega ao médium incorporado e diz:
– Aqui está Vovó. O terço que o seu médium fez.
Vovó Maria sorri, agradece e fala calmamente:
– Fio, não foi isso que pedi. Meu médium nem se deu o trabalho de fazer o simples terço que pedi?
– Ele achou melhor comprar esse – respondeu o cambone.
Vovó Maria então disparou:
– Comprou algo para a vaidade dele, não um instrumento de trabalho como eu tinha pedido!
E continuou:
– Tá vendo aquela senhora ali na assistência? O terço era pra ela. Ela tá com problemas de saúde e queria algo simples para oferecer a ela para se conectar com a sua fé. Ah fio, o meu menino caiu nas armadilhas da vaidade. Fio, você disse a ele como eu queria o terço? – perguntou ao cambone.
– Sim Vovó, eu falei exatamente como a senhora solicitou – respondeu o cambone.
Com o terço chique em mãos, Vovó Maria olha para a porta do Terreiro, ainda aberta e disse ao cambone:
– Fio, pega esse terço e a primeira pessoa que passar lá na rua você vai entregar. E assim o cambone fez.
No fim da Gira, já desincorporado, o médium desesperado pergunta a todos onde estava o terço banhado a ouro carissímo que ele havia comprado para Vovó Maria. Então o cambone disse:
– Vovó Maria pediu que eu entregasse o terço para a primeira pessoa que passasse na rua. E assim eu fiz.
O médium parecia não acreditar naquilo. Muito revoltado perguntou:
– E ela deixou algum recado pra mim cambone?!
– Sim – respondeu. Ela falou que não trabalha sob a vaidade. Disse que lhe pediu algo simples como instrumento de trabalho para uma pessoa que estava precisando. Que ela não queria aquilo pois não era o que tinha lhe pedido. Ela queria um terço feito pelas suas mãos, com lágrimas de Nossa Senhora que são sementes naturais da terra.
E continuou:
– Antes de subir ela avisou que irá ficar sem vir um tempo para você entender que a vaidade só afasta a verdadeira espiritualidade. Que com o silêncio e a ausência dela você iria entender tudo isso. Que a vaidade só a afasta a verdadeira espiritualidade. Que você não pode se achar melhor que os demais por ter condições financeiras. Que você não pode achar que as entidades que carrega são melhores que as demais. Que os elementos não podem falar mais alto que a caridade, amor, fé e humildade. E mandou lhe dizer também que a vaidade e a Umbanda não caminham juntas!