Tambor como instrumento de vida

Tambor, atabaque ou qualquer outra denominação: qual sua importância? Veja o que o escrito Mia Couto disse:

“A música é a língua materna de Deus. Foi isso que nem católicos nem protestantes entenderam, que em África os deuses dançam. E todos cometeram o mesmo erro: proibiram os tambores. Na verdade, se não nos deixassem tocar os batuques, nós, os pretos, faríamos do corpo um tambor. Ou mais grave ainda: percutiríamos com os pés sobre a superfície da terra e assim abrir-se iriam brechas no mundo inteiro.”

Assim, com esse primor literário, amanheci no último domingo de maneira mais feliz.A verdade é que venho há algum tempo falando sobre este tema com alguns amigos sem que conseguisse exprimir com a exatidão que o escritor moçambicano – um dos maiores escritores da língua portuguesa – conseguiu dizer em poucas palavras.

Isso ocorre também porque, às vezes, me pego imaginando o que fez com que os movimentos religiosos, especialmente de origem judaico cristã, ficassem tão presos ao sentimento de culpa e à penitência frente à sua Divindade? De onde veio isso? Como evoluiu para o que está posto por aí hoje em dia?

Afinal, talvez seja o esquecimento dos ensinamentos trazidos das culturas através dos tambores, por exemplo, para ficarmos apenas em uma das hipóteses, sobretudo a que me propus hoje a discutir neste texto.

O tambor é um instrumento que perpassa todas as culturas.

Da mesma maneira, o tambor encontra simbolismo ainda maior nas religiões e culturas afro-ameríndias que os tem como um elemento de chamamento e de linguagem por vezes incompreendidas por leigos junto ao Sagrado. Vai muito além de música. E com certeza é muito mais do que barulho ou ruído.

Vale dizer que, aos Povos de Santo, o tambor é aquele que permite evocar para a nossa dimensão as vibrações e materializações das energias advindas dos Orixás. Entre muitas de suas funções, é um elemento essencial para receber nossos Guias durante as giras e assim auxiliar na conexão com a nossa ancestralidade, permitindo que seus ensinamentos sejam capazes de nos guiar para que façamos frente aos desafios diários.

Portanto, para nós a vida sem tambor não tem graça! O tambor (atabaque e outros) é da síncope entre os sons dos tambores, no Terreiro e na vida, que cambaleando seguimos em frente com a alegria emanada dos sons dos batuques.

O tambor reúne três elementos essenciais à sobrevivência natural do indivíduo. Começando pela área onde é tocado para que seus sons possam reverberar. É “o couro”, representado pelo animal, em suas peles que recebem da materialidade a transformação do primitivo em elemento de arte.

Com a mesma importância, podemos citar a representação vegetal em suas caixas, a essência da seiva, das raízes da ancestralidade da nossa terra. E, por fim, o último elemento essencial presente é a questão espiritual, pois é certo dizer que a sonoridade feita é, impreterivelmente, evocada pelas mãos do homem e que só assim será capaz de mexer com nossa alma

E porque tanta penitência, tanta intolerância, tanto silêncio, quando poderíamos evocar as coisas boas da vida através do bailar da vida? Por que isso incomoda tanto a uma parcela tão grande dessa sociedade que esqueceu dos tambores como elemento de vida?

“Este ritual que tanto incomoda é o que a salva de ser devorada viva, pois os famintos desse mundo, mais do que pão, querem encontrar culpados.” Noutras palavras, não há espaço para culpa e tristeza quando há batuque. E, da mesma maneira, podemos dizer que quando há respeito e há vida pulsando dos corações que batem como um tambor intermitente dentro de nós, esta grande magia espiritual se faz!

Tags:
>
-