Sacrifício animal é legal, decide STF. O que muda?

Sacrifício animal: uma questão inquietante

Sacrifício animal em religiões de matriz africana é um assunto polêmico.

Porém, depois do plenário do Supremo Tribunal Federal – STF decidir pela sua constitucionalidade a discussão acabou.
Ao menos perante a Lei.

Antes de mais nada, cabe lembrar que aqui que nos canais Umbanda Eu Curto não costumamos tratar deste tema.

De fato, respeitamos todas as vertentes de Umbanda.
Mas, de maneira geral, seguimos a orientação que convecionou-se chamar “Umbanda Sagrada”, cujo principal artífice é o autor Rubens Saraceni.

Dessa forma, na nossa visão umbandista, não é necessário o uso e nem sacrifício de animais em rituais de Umbanda.

No entanto, algumas vertentes da religião se valem desta prática.

Isso sem falar do Candomblé que, até onde sabemos, faz uso de abate religioso de animais em muitos de seus rituais religiosos.

Assim, a questão parece ser um pouco mais profunda do que o debate atual faz crer.

Como votou o STF

Conforme decisão do sTF em 28 de março de 2019, é constitucional o sacrifício de animais em cultos de religiões de matriz africana.

A saber, o STF foi acionado por conta de uma lei estadual do Rio Grande do Sul que permite o sacrifício de animais em ritos das religiões de matriz africana, contestada em nível estadual.

Assim, a norma introduziu dispositivo no Código Estadual de Proteção aos Animais – que veda diversos tratamentos considerados cruéis aos animais – para afastar a proibição no caso de sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana.

No STF, sustentou-se que a lei estadual trata de matéria de competência privativa da União.
Além disso, restringiu a exceção às religiões de matriz africana.

Dessa forma, o ministro Marco Aurélio, relator, conferiu à lei do Estado do Rio Grande do Sul interpretação conforme a Constituição Federal.
Portanto, é constitucional o sacrifício de animais em ritos religiosos de qualquer natureza.
E fica vedada a prática de maus-tratos no ritual e condicionado o abate ao consumo da carne.

Outros votos

De conformidade com o relator, o ministro Edson Fachin também votou para manter o texto original da lei.
Para ele, a utilização de animais é de fato intrínseca a esses cultos.

Portanto, a eles deve ser destinada uma proteção legal ainda mais forte.

Isso porque já são objeto de estigmatização e preconceito estrutural da sociedade.

Em seu voto, ele afirmou que nestas práticas não há crueldade aos animais.
Pois as religiões buscam realizar estes sacrifícios de forma a evitar a dor do animal.

Moraes afirmou ainda que estas práticas são rituais religiosos antigos, tradicionais e respeitosos.

Igualmente, o ministro Luís Roberto Barroso negou provimento ao recurso.

Assim, ele entendeu que não houve inconstitucionalidade formal, violação do princípio da isonomia e violação da laicidade do Estado.

Dessa forma, defendeu a liberdade religiosa e afirmou que as religiões de matriz africana é que têm sido vítimas de intolerância e de preconceito.

Por fim, sobre os maus-tratos, o ministro relembrou que os rituais não admitem qualquer tipo de crueldade com os animais.

Em consonância, o ministro Gilmar Mendes seguiu o entendimento de Alexandre de Moraes.

Por sua vez, a ministra Rosa Weber também defendeu que o exercício dos rituais traduz um direito constitucionalmente garantido.

Do mesmo modo, Ricardo Lewandowski assentou que o sacrifício de animais faz parte dos rituais e que eles estão garantidos pela Constituição.

Ao mesmo tempo, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que estas religiões oferecem aquilo que se tem de mais caro, de mais valioso às divindades, indo na contramão de outras práticas que buscam o lucro e o dinheiro.

Igualmente, Dias Toffoli seguiu na mesma direção.

Portanto, por maioria, os ministros fixaram a seguinte tese:

“É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana.

Sacrifício animal o sacralização animal?

De fato, esta é uma discussão por vezes maniqueísta, como se o abate de animais em rituais religiosos fosse um Fla-Flu, com um sentido que se encerra em si mesmo.

Religião é religar-se, é exercício da fé.
Portanto, cada uma desenvolve sua ritualística com o objetivo maior de conectar-se às suas deidades.

Nesse sentido, abater um animal (frango, galinha, porco, etc.) no Candomblé ou em algumas vertentes de Umbanda é um meio e não um fim.
Os religiosos não sentem prazer em provocar crueldade nos animais. E não provocam!

Neste contexto, eles são meios para vencer etapas, concluir iniciações e até congregar os fiéis em torno de uma prática ritualística.

Assim, esta passagem de um estado para outro, do profano para o sagrado, justifica a prática.

Além disso, mais do que abater um animal, é importante lembrar que na maioria das vezes eles são criados para o abate.
E são abatidos sem crueldade, para uso religioso seguido do consumo.

Dessa forma, a grande diferença entre um grande frigorífico comercial – que abate milhares de animais diariamente – que chegam aos supermercados em todos os cantos do Brasil, é a sacralização: enquanto o frigorífico tem um objetivo comercial, os religiosos tem objetivos ritualísticos.

Para o Candomblé e algumas vertentes de Umbanda, o abate é parte de cerimônias específicas. É feito com respeito, sem crueldade, sem exageros e sem desperdícios.

Por sinal, este foi o entendimento do STF: antes de se tratar de sacrifício animal, trata-se de sacralização.

As religiões de matriz africana no Brasil possuem história, cultura e fundamento.

Não se trata de um filme de ficção de Hollywood, onde os ‘primitivos’ fazem ‘oferendas’ animais (e até humanas) para os deuses.

Então, garantir este direito e zelar pelas boas práticas é uma decisão esperada e comemorada.

Sacrifício animal está errado. O correto é sacralização animal. Invertendo a ótica podemos ver melhor.

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