Relatos noturnos: um inesquecível encontro à meia-noite

Meia-noite me reservava um relato noturno interessante…

Hoje eu sei muita coisa, li, aprendi em Terreiro, perguntei para quem sabia mais e, principalmente, senti na pele a dor do aprendizado.

O povo fala que nesse negócio de mediunidade se aprende “pelo amor ou pela dor” e quase sempre é pela dor. Eu digo mais: além de na maioria das vezes ser pela dor, em muitos casos tudo começa de um jeito bem estúpido, como no meu.

Às vezes tenho dúvidas se o que eu lembro daquela noite, daquela meia-noite, corresponde ao que aconteceu realmente. Ou se já tem fantasias e distorções misturadas, mas o fato é que certas imagens vão ficar para sempre marcadas na minha memória.

Eu tinha 17 anos na época e estava com a minha família passando as férias de verão no litoral. Era um período de frequentar fliperamas, ouvir Guns n’ Roses e Skid Row bebendo uma cerveja com a galera e, claro, azarar todas as garotas possíveis.

Porém, naquela noite, algum tempo antes da meia-noite, alguém teve a ideia de incrementar a diversão com maconha. Estávamos em quatro, todos da mesma faixa etária, e decidimos subir ao último andar de um prédio em construção para ficar doidões e ver as luzes da cidade lá de cima.

Só que eu nunca havia fumado um baseado antes e logo descobri que foi uma péssima ideia.


Nessa parte vou explicar que, desde a infância, sofri muito com pesadelos, visões e sons que ouvia em diferentes momentos sem que nada justificassem.

Acordava chorando de medo no meio da noite e, quando meus pais decidiram me levar a uma psicóloga, ela disse apenas que eles deviam me proibir de assistir filmes de terror e ler histórias em quadrinhos.
Então eu passaria a dormir tranquilo.

Claro que isso era bobagem.

Uma coisa que eu percebia é que quando bebia, mesmo em pequenas quantidades, as coisas pioravam.

Porém, nem cogitei deixar de tomar cerveja com a galera, pois isso poderia afetar o meu status de bad boy, algo que todos se esforçavam para ostentar naquela fase.

Mas então, voltando à noite, quase meia-noite, no prédio em construção.
Estávamos bebendo e fumando maconha lá no alto e eu, como sempre, queria beber e fumar mais do que os outros, para deixar bem claro quem era o mais ‘malvadão’ ali.

Não lembro exatamente o que aconteceu no primeiro momento. Só sei que comecei a passar mal e vomitei.

Depois, devo ter pego no sono ali mesmo, deitado no chão, ou algo assim.

Os outros estavam chapados demais para se preocupar com um simples vômito de bêbado e me deixaram ali apagado enquanto continuavam a rir e falar bobagens.

De repente despertei de sobressalto com alguém gritando no meu ouvido:

“Você consegue me ver agora?”

Quando abri os olhos dei de cara com uma visão que quase me fez ter um infarto. Diante de mim estava um velho decrépito, com o corpo nu e imundo, me encarando com um sorriso desdentado e um brilho amarelado no olhar.

Gritei de pavor enquanto levantava de sobressalto e gritei de novo ao ver mais uns sete ou oito sujeitos tão horríveis quanto o primeiro caminhando em círculos em torno do meu grupo de amigos que estava sentado no chão.

– Vixe, começou a ter chiliques de novo! – debochou um dos rapazes apontando o dedo para mim, enquanto todos caiam nas gargalhadas.
Era óbvio que eles não estavam vendo as criaturas.

– Vamos sair daqui! Rápido! – gritei, praticamente me atirando pelas escadas, tão apavorado que nem me preocupei em esperar pelos outros.

Enquanto descia os degraus o mais rápido que podia, vislumbrava por entre as sombras dos andares vazios vultos que se esgueiravam, me observando e fazendo menção de me seguir.

Na minha cabeça ecoava a voz daquele velho horrendo fazendo provocações:

“Volte aqui, machão! Não chore! Não era você o mais forte de todos?
Não vá cagar nas calças!”

Quando cheguei na rua, saí correndo sem rumo.
Trombei em algumas pessoas que me xingaram enquanto outras tentaram me segurar, mas não conseguiram.

Em certo momento, olhei para a frente e vi, na esquina, um grupo daqueles seres terríveis gesticulando, como se para me recepcionar.
Ninguém mais parecia ver aquilo além de mim.

Por instinto, fiz uma curva para e esquerda e adentrei no gramado do pátio escuro de uma casa vazia.
Cai desajeitado e, sem saber o que fazer, cobri a cabeça com as mãos e comecei a rezar o Pai Nosso em meio a pedidos de socorro e promessas mentais de que, se conseguisse sair daquela situação, seria um cara diferente.

Eu ouvia as vozes daquelas criaturas se aproximando e dando risada e, quando já estava prestes a ter um colapso de tanto medo, escutei um estrondo estranho e percebi um clarão.

Instintivamente, espiei entre os dedos que cobriam meu rosto e vi alguns daqueles seres se afastando rapidamente em meio à escuridão.

Era quase meia-noite.

Surgiu então um sujeito cuja presença emanava uma força descomunal. Usava camisa branca, capa preta e uma cartola esquisita. Tinha barba espessa e um sorriso irônico nos lábios. Imediatamente entendi que fora ele quem espantou aquelas coisas.

– Obrigado! Muito obrigado! – balbuciava eu, entre lágrimas.

– Ao invés de agradecer, se preocupe em cumprir sua promessa. – disse o sujeito, de forma ríspida.
E continuou:
– Agora você vai ter que ser útil, senão eu mesmo vou me encarregar de mostrar o que acontece com quem não cumpre o que promete.

– O que preciso fazer? – perguntei, com voz embargada.

– Na hora certa você saberá. Agora vá para casa e verifique se não borrou a cueca! – respondeu ele, de forma irônica enquanto se afastava em direção às sombras.

– Como é o seu nome? – questionei, tirando coragem não sei de onde.

– Curioso você, hein? – ressoou a voz dele, mesmo que eu não conseguisse mais avistá-lo.

– O meu nome é agora.

Permaneci alguns instantes ali, ajoelhado na grama, sem entender o que ele quis dizer.

Então, tive um estalo e olhei para o relógio no meu pulso. Haviam passado dois minutos da meia-noite.

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