Discriminação religiosa: denúncias crescem em 2018
Discriminação religiosa aumenta por vários motivos.
Dentre eles, devido à percepção de que as religiões afro-brasileiras são comumente associadas a negros.
Assim, o número de denúncias de discriminação religiosa contra adeptos de religiões de matriz africana no Brasil feitas pelo Disque 100 cresce.
O Disque 100 é um serviço de atendimento 24 horas do Ministério de Direitos Humanos.
Ele acusou um aumento de 7,5% em 2018.
Foram 71 denúncias do tipo feitas de janeiro a junho deste ano, contra 66 no mesmo período de 2017.
Já as denúncias feitas por discriminação contra todas as religiões caíram de 255 para 210, queda de 17% no mesmo período.
Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Em todo o ano 2017, foram 145 denúncias de discriminação religiosa em todo o país.
São Paulo teve 29 denúncias por meio do canal.
O estado só fica atrás do Rio de Janeiro, com 34 denúncias.
Ainda assim, expansão
Ao mesmo tempo em que crescem as denúncias de violência, as religiões afro-brasileiras registraram crescimento de 43,8% no número de adeptos em São Paulo.
Isso de acordo com o estudo “Diversidade Étnico-racial e Pluralismo Religioso no Município de São Paulo”, publicado em dezembro de 2016.
Ao todo, 50.794 pessoas declararam ser de Umbanda, 18.058 do candomblé e 854 de outras religiosidades afro-brasileiras.
A soma representa 0,6% das 48 religiões ou convicções filosóficas declaradas.
“Muitos de seus fiéis preferem não se identificar publicamente por receio de discriminação religiosa”, diz o estudo.
Para Alexandre Cumino, sacerdote de umbanda e diretor da Associação Umbandista e Espiritualista do Estado de São Paulo (Aueesp), a intolerância religiosa é advinda do preconceito em relação ao negro, à cultura do negro e à religião do negro.
“Boa parte dos casos [de violência] está relacionada a segmentos religiosos que têm uma discriminação e um preconceito na sua pregação doutrinária e identificam o Deus do outro como o diabo”, explica ele.
Cumino é autor do livro “Exu não é o diabo”, que desmistifica a ideia de que o orixá Exu é o representante do mal e por isso deve ser combatido.
“Há pessoas de outras religiões que acreditam que nosso orixá o Exu é o diabo.
Quando se identifica o nosso orixá como o diabo e o diabo como o responsável por todos os males.
Então, na cabeça torpe e infame do ignorante, se acabar com a minha religião, vai acabar com o diabo”.
Segundo Cumino, que é bacharel em ciências da religião, não existe diabo na Umbanda e no Candomblé.
Essas religiões não ‘culpam’ o diabo pelo mal ou por seus erros.
“Diabo é principalmente uma criação judaico-cristã e mais especificamente católica.
O Lúcifer é bem católico mesmo, ele não existe no judaísmo.
Você tem lá o Satã ou o Shaitan, que é uma figura muito específica no Velho Testamento.
No livro de Jó, Satã senta ao lado de Deus e eles estão conversando o que vão fazer com Jó.
Então esse Satã judeu que é um opositor, ele não é nem de perto esse grande diabão que construíram e muito menos os Exus, os orixás, ou as entidades de Umbanda ou de Candomblé, religiões que não reconhecem nenhum diabo.
Quando a gente [adeptos da religião] faz uma coisa errada é a gente mesmo [que fez]”.
Racismo religioso
A maioria dos adeptos de religiões afro-brasileiras na cidade de São Paulo é formada por pessoas brancas. Isso de acordo com uma pesquisa da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial.
São 60,6% brancos, 13,1% pretos e 25,5% pardos.
Embora sejam frequentadas mais por brancos, as religiões de matriz africana são majoritariamente associadas e a negros por causa de suas origens.
De fato, isso segundo a secretária executiva de Promoção de Igualdade Racial da prefeitura de São Paulo, Elisa Lucas Rodrigues.
“Tudo o que se refere a negros há um olhar extremamente preconceituoso aflorado.
São crianças agredidas nas escolas e todo tipo de absurdo que vemos todos os dias na televisão.
É engraçado porque se você vai a terreiros, vê maior quantidade de brancos.
Eu mesma conheço médicos e advogados, gente da classe média, que está aderindo a essas religiões.
Mas eles também sofrem essas agressões por serem de uma religião que remete a negros”, diz a secretária.
Aliás, o advogado e ex-secretário da Justiça do estado de SP, Hédio Silva Jr., 57 anos, adotou o termo “racismo religioso” para os casos de preconceito a adeptos de religiões de matriz africana.
“Não é tão comum ofensa a ateu, agnóstico, judeu.
As ofensas são direcionadas a umbandistas e candomblecistas.
E é assustador a apropriação de espaços públicos por grupos privados, por exemplo nas escolas, onde funcionários tornam a escola pública extensão do seu centro religioso”, diz ele.
Discriminação religiosa é crime e deve ser combatida.
Fotos: Fábio Tito/G1 – Reprodução