Por que muitos cristãos fogem do Carnaval?
Por que muitos cristãos fogem do Carnaval?
Aliás, o texto que reproduzimos abaixo tem o seguinte título original:
“Samba, Fé e Racismo: por que muitos cristãos fogem do Carnaval como o diabo foge da cruz?”
Foi escrito pelo Padre Gegê, pároco da Paróquia Santa Bernadete em Higienópolis (RJ).
Compartilhamos aqui sua visão pois há muitas semelhanças com a nossa.
Compartilho da opinião segundo a qual a intolerância religiosa endereçada quase que exclusivamente às religiões afro-brasileiras se fundamenta num racismo mascarado.
Assim, é evidente que outros fatores também operam na sustentação do fenômeno. O cristianismo eurocêntrico de brancura, no fundo, não enxerga as formulações culturais e religiosas africanas e afro-brasileiras como grandezas humanas e espirituais.
Então começa-se a entender por que os cristãos fogem do Carnaval e outras manifestações.
No âmbito católico, o livro “Sim, Sim; não, não” do Monsenhor Jonas Abib não poupa páginas de racismo e intolerância religiosa declarados. O livro do Bispo Macedo “Orixás, Guias e Caboclos” é um outro exemplo lamentável desse racismo mascarado.
Assim, no que se refere ao Carnaval percebe-se o mesmo raciocínio e o mesmo movimento. Não estou dizendo, por exemplo, que tempo de Carnaval não seja tempo de retiro e oração.
Por outro lado, também considero que ninguém seja obrigado a gostar ou brincar Carnaval. Conheço pessoas que verdadeiramente detestam essa época. E isso é uma seara pessoal. Não é disso que estou tratando.
Estou dizendo que o cristianismo (católico e evangélico) de forma às vezes distinta e às vezes semelhante, despreza a grandeza do Carnaval.
Penso que, no fundo, haja um olhar racista e intolerante.
A verdade sobre por que os cristãos fogem do Carnaval
É claro que isso não vai se dito claramente.
Será que clérigos, pastores/pastoras e religiosos de todo tipo não teriam nada a aprender, por exemplo, com o “bode” da Tuiuti?
Ou com o Xangô do Salgueiro?
Ou com a biografia mística de Clara Nunes da Portela e das Memórias potentes da Mangueira?
Para o escritor Rubens Alves há escolas que emburrecem porque bloqueiam o pensamento dos alunos.
Há tipos de igrejas que patrocinam a repetição do mesmo, a fé arrolhada e um programa evangelizador estéril.
De modo especial, o pentecostalismo sustenta um olhar marcadamente demonizador sobre as produções afro-brasileiras (samba, jongo, capoeira, etc.).
Assim, de forma grossa, podemos dizer que tais construções culturais e religiosas são tidas pelas lentes cristãs de brancura como “coisas de preto”.
Logo, realidades que um cristão de “verdade” precisa fugir como o diabo da cruz.
Portanto, taí um indício de porque os cristãos fogem do Carnaval como o diabo da cruz!
Criando a fuga
A construção de inúmeros retiros nessa época pode sinalizar também um caminho de fuga para muitos e muitas (“fuga mundi”?).
O documento de Aparecida fala da necessidade de se “descolizar as mentes”, mas esse desafio fica no papel.
Dom Helder já alertara na “Missa dos Quilombos” que a Igreja com muita fraqueza e indisposição assumiu a causa do negro.
Contudo, uma “Igreja em saída” como deseja o Papa Francisco, exige no plano do diálogo com a cultura um outro tipo de cristãos e cristãs capazes de serem no seio do Carnaval “sal e luz”.
E isso não pode ocorrer se o cristão fugir do Carnaval como o diabo da Cruz.
Assim, bem diz o axioma teológico que “só é redimido o que é assumido”. Assumir a cultura é defender a vida.
Não adianta, nesse horizonte, criarmos um carnaval à parte (baile de Jesus, micareta de Jesus, axé de Jesus, etc.).
É próprio da fé cristã e de qualquer experiência religiosa penetrar na cultura e afirmá-la enquanto grandeza humana.
E não há nada que seja plenamente humano que não tenha sido tocado pelo Deus sempre Maior que todas as religiões juntas.
Não é fugindo do mundo que seremos mais santos ou santas.
Oportunamente, disse São João Paulo II:
“Uma fé que não se faz cultura é porque não foi plenamente recebida, inteiramente pensada e fielmente vivida.”