Apropriação cultural e Carnaval: somos bem complicados, não é mesmo?

Apropriação cultural é, em linhas gerais, a adoção de alguns elementos específicos de uma cultura por um grupo cultural diferente. A definição é importante para o que trataremos a seguir.

Todo ano é a mesma coisa. Pipocam episódios de intolerância religiosa contra cultos e religiões brasileiras com influências africanas e indígenas – como a Umbanda, por exemplo.

No Réveillon, lá vão milhares e milhares de pessoas vestidas de branco, por todas as praias do Brasil, com flores, frutas, barquinhos e mais um monte de badulaques fazer oferendas de Ano Novo. Isso quando não vão apenas para pular as sete ondinhas, num exercício mecânico e desprovido de maiores conhecimentos ritualísticos.

Pouco mais de um mês depois, vem o Carnaval, a festa popular mais famosa do Brasil. Período de muita alegria e visibilidade para o País (e de muita apropriação cultural…)

E é neste período que boa parte das escolas de samba, blocos e grupos carnavalescos bebem à vontade na inesgotável fonte da cultura brasileira e nas influências africanas e indígenas que permeiam toda a nossa história.

De novo, muitos dos que atiram as primeiras pedras, se esquecem da intolerância. Saem cantando e repetindo sambas-enredo cheios de referências a Guias, Orixás e tradições religiosas que, no restante do ano, são abominados.

Apropriação cultural? De onde vem este comportamento contraditório?

Talvez nem estudando os quase 523 anos da nação consigamos compreender claramente o processo de formação da cabeça dos brasileiros. Somos uma gente miscigenada, cordial e pacífica que, ao mesmo tempo, não valoriza suas origens étnicas. Somos cada vez mais irritados, intolerantes e, infelizmente, cada vez mais violentos com o que nos é diferente.

A intolerância religiosa – por mais que o termo não esteja correto, pois o que se busca é respeito e não apenas a tolerância – persiste. Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, quando entrevistado pelo programa Canal Livre, da Band:

“O que nos deixa angustiados é a igualdade e não a desigualdade” (veja no vídeo a partir de 10’30”).

Basta observarmos o comportamento do nosso povo nas filas (seja lá onde for), no trânsito, na política, enfim, em todo e qualquer espaço público que requeira educação e civilidade para que o benefício de muitos possa estar acima do privilégio de poucos.

Saiu da fila? Perdeu o lugar. Quer entrar na minha faixa no trânsito? Vai ter que esperar. Vaga para idoso e deficiente no shopping? Ah, não tem ninguém olhando, vou estacionar. Afinal, é rapidinho…

Estes são só alguns exemplos diários e irritantes que todos assistimos e, por vezes, também praticamos (não é?) E porque fazemos isso? Por que se não fizermos outros farão? Caso contrário seremos taxados de otários, certinhos?

‘Isso aqui não é a Suiça não rapaz, tem que meter o carro mesmo!’, já ouvi certa vez de alguém no banco do passageiro enquanto dirigia.

O que fazer então, se tudo parece errado? Resposta simples: começar a fazer o que é certo. Respeitar o espaço público.

E mais: respeitar toda a coisa pública que, digamos, envolve o compartilhamento do espaço, do trânsito, do elevador, das vagas para estacionamento, das filas e, por fim, das ideias, opiniões e crenças religiosas.Estamos todos ligados, conectados num tecido social e espiritual único, embora continuemos achando que a individualidade é suprema e que o resto do mundo ‘não tem nada a ver comigo’. Isso é o seu ego dizendo a você o que fazer da sua vida. Cuidado!

Que o Carnaval seja uma festa de alegria, mas com respeito ao próximo e a todos.

Que respeitemos, desde já, as opiniões e crenças de todos, e assim possamos criar um círculo virtuoso, onde um católico ou evangélico, por exemplo, cante um samba-enredo em homenagem a um Guia ou aos Orixás e, no resto do ano, respeite os demais que escolheram a Umbanda ou o Candomblé como religiões a serem seguidas.

Que apropriação cultural se transforme em respeito cultural.

Que as palavras gerem pensamentos, reflexões, ações, posicionamentos, novos comportamentos. E que, agindo diferente, com respeito a todos, possamos melhorar esta nação.

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