Caboclo na cultura brasileira e na Umbanda
O Caboclo na cultura brasileira vai além da mistura de raças.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado no seu médium Zélio Fernandino de Moraes, foi a primeira entidade a se manifestar na Umbanda, fundando a religião.
Neste dia, foi observado que ele estava com vestes de sacerdote católico.
E, plasmado como tal, foi questionando por um médium clarividente sobre esta condição.
Assim, em sua primeira manifestação de Umbanda, a entidade se manifestou como Caboclo. E ao mesmo tempo ficou claro que desta forma se apresentou por opção (e não por falta de opção).
Identificou-se como um espírito muito esclarecido e que facilmente seria reconhecido como autoridade no mundo material.
Mas preferiu a identificação humilde e despersonalizada de “caboclo brasileiro”. Surge então o questionamento do que realmente quer dizer a palavra Caboclo na cultura brasileira e na Umbanda, de forma mais específica.
1. Mestiço de branco com índio; cariboca, curiboca. 2. Antiga designação do indígena. 3. Caboclo de cor acobreada e cabelos lisos; caburé. 4. Sertanejo.
Um dos maiores pesquisadores, se não o maior, de nossa cultura, folclore e suas influências foi Luiz da Câmara Cascudo. Em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, onde aparece o verbete Caboco (assim mesmo sem o l de caboclo), descreve:
O indígena, o nativo, o natural; mestiço de branco com Índia; mulato acobreado, com cabelo corrido. Morais fazia provir de cobre, cor de cobre, avermelhado.
Diz-se comumente do habitante dos sertões, caboclo do interior, terra de caboclos, desconfiado com caboclos.
Foi vocábulo injurioso e El-Rei Dom José de Portugal, pelo alvará de 4 de abril de 1755, mandava expulsar das vilas os que chamassem os filhos das indígenas de caboclos:
“Proíbo que os ditos meus vassalos casados com as índias ou seus descendentes sejam tratados com o nome de cabouçolos, ou outro semelhante que possa ser injurioso.”
Hoje indica o mestiço e mesmo o popular, um caboclo da terra.
Discute-se ainda a origem do vocábulo, indígena ou africano.
Folclore: Gustavo Barroso (Ao som da Viola, Rio de Janeiro, 1921) fixou o “Ciclo dos Caboclos” (403-419) com documentário poético e anedotal.
Caboco vem de Caá, Mato, Monte, Selva; e Boc, Retirado, Saído, Provindo, Oriundo do Mato, exata e fiel imagem da impressão popular, valendo o nativo, o indígena, caboco´bravo, o roceiro, o matuto´bruto, chaboqueiro, bronco, créduo, mas, vez por outra, astuto, finório, disfarçado, zombeteiro.
Cabôco, e a pronuncia nacional, mesmo para os letrados que escrevem “caboclo”, Caá-Boc, tirado ou procedente do mato, registra Mestre Thedóro Sampaio.
Depois de toda esta explicação de Câmara Cascudo, fica claro o que quer dizer a figura do Caboclo na cultura brasileira.
Com a dizimação do índio em nosso convívio, o tempo vai dissociando sua imagem da palavra e cada vez mais o vocábulo caboclo vai se tornando na figura de linguagem um homem simples.
Vemos uma identificação despersonalizada de ego que caracteriza aqueles que estão acima da identidade individual. Ou seja: as entidades na maioria das vezes não usam seus nomes de batismo, estando aquém de qualquer identificação. Transcenderam a individualidade.
São muitos espíritos que usam o mesmo nome como: Pena Branca, Pena Verde, Pena Roxa, Pena Vermelha, Pena Dourada, Sete Penas, Ventania, Rompe Mato, e outros.
Chegamos até a encontrar num mesmo Terreiros dois ou mais Caboclos que usam o mesmo nome. Pois não é seu nome como indivíduo, e sim um nome que identifica seu trabalho e a força que o rege.
Por exemplo: Pena Branca é de Oxóssi e Oxalá; Pena Dourada é de Oxóssi e Oxum; Sete Montanhas de Xangô; Ubirajara de Oxóssi e Ogum, etc.
Caboclo é um Mistério na Umbanda.
É uma linha de trabalho, uma falange, um grau, o identificador de entidades que trabalham nesta vibração.
E ela está ligada ao Orixá Oxóssi, o Orixá das Matas.
Existem Caboclos de todos Orixás e todos têm algo em comum que os identificam como tal presentes em sua forma de apresentação.
Nossa essência, nosso espírito, não têm cor e nem raça.
Muitos podem entender o que isto quer dizer, mas viver assim só é possível para aqueles que já se desapegaram da matéria e de sua individualidade.
Ou os que não vivem ou trabalham apenas para si e sim para o todo.
Assim são os Caboclos.
Poderíamos escrever páginas e páginas falando sobre o Caboclo na Umbanda. Mas talvez o mais importante é que eles não sejam subestimados.
Pois apenas uma coisa é certa: embora não pareça, todos eles são muito mais que Caboclos. Fato que apenas não é visível ao leigo, pois como Caboclos, foi apenas a forma que eles escolheram para se manifestar.
Esta é apenas uma das maneiras de enxergar a importância do Caboclo na cultura brasileira.
Foto: Índio Bororo, 2015 – AP Photo/Eraldo Peres (Reprodução)